FRUSTRAÇÃO

Com a cabeça fervilhando, depois de tanto pensar e refletir, Patrícia resolve escrever uma e-mail para Humberto.
“Estou surpresa com você, com raiva também, Humberto. E como sei que você não consegue ouvir por muito tempo e quando falo reconheço que sou dura com as palavras, resolvi escrever um pouco tudo o que está passando pela minha cabeça desde ontem. Recordo-me o que foi dito, falado, calado... Os olhares, a frustração mútua. Sim, ambos ficamos frustrados, surpreendidos um com o outro. Não houve vencedor ou perdedor. Apenas dois amantes que não atenderam às expectativas um do outro.
Caso a conversa se estendesse muitas justificativas iriam brotar dos dois lados, mas apenas um iria ouvir, o outro certamente iria se defender. Sim, este é você! E esta sua defesa me assusta! Por isso ainda afirmo que você não aprendeu a ser humilde. Você ainda não consegue reconhecer que errou, não consegue se desculpar, pedir perdão. Aliás, parece que você raramente erra!! Se o faz, é tão raro que não precisa se redimir. Fiquei surpresa com seu egoísmo, com seu afastamento e suas réplicas a cada coisa que eu falava. E eu, eu só queria um pouco mais de carinho e atenção, um pouco mais de seus toques e seus beijos.
Você acertou quando disse que cada um de nós pensou uma coisa diferente, mas no fundo, pensamos no mesmo assunto, cada qual do seu jeito.
Caramba! Fico impressionada com sua incapacidade de dar o braço a torcer! Ainda mais depois de ouvi-lo dizer: “Hoje quero fazer com que você tenha uma noite muito feliz.”. Pois foi o contrário. Foi uma péssima noite, frustrada, triste, com lágrimas e sem apoio. Eu estava totalmente frágil e confesso pensei que poderia receber proteção de você. Triste engano...
Falar com você sobre carência é ouvir: “não há ninguém mais carente do que eu!”. Querido, você é um ser único na terra, realmente podemos procurar, mas não encontraremos outro igual, mas há outros seres que sofrem semelhantemente a você. Quando perceberá que o mundo real é maior que este mundo que te cerca?
Desde que me deixou em casa você está em silêncio. Fico aqui sem notícias sobre você, mas quero ter. Há momentos em que penso ter ouvido meu telefone tocar, eu olho para ele, mas é apenas uma alucinação auditiva. Você nem ligou nem enviou mensagem. Eu liguei hoje, mas não tive sucesso. E eu atribuo isso ao seu orgulho e seu jeito de menino “Se ela não me ligar, também não ligarei...” Menino pirracento que em alguns momentos se coloca como vítima por não ter sido compreendido em algum assunto.
Nestas horas você se defende como consegue, mas procura manter o tom de voz baixo, e isso é nitidamente um esforço que você está fazendo para mudar. Admiro esta atitude, porém rejeito algumas outras. Uma delas é não dar o braço a torcer e reconhecer que foi um pouco apressado, que poderia tem me dado mais carinho, acariciado mais o meu corpo, me aquecido mais!
Você já me perguntou algumas coisas sobre como gosto de fazer amor. E eu já disse mais de uma vez que gosto de muito carinho, gosto da ameaça de que está chegando perto, mas vai explorar outras partes do meu corpo e depois vai voltar a me beijar, acariciar e ao perceber que estou aquecida vai penetrar em mim com todo o tesão que sente. Você já se justificou que na primeira vez estava parecendo um menino com um sorvete, foi rápido, poderia ter sido mais lento, blábláblá... Ou então, que está melhorando, que estamos nos conhecendo.
Outras perguntas que você teima em fazer em algumas ocasiões são: alguém já fez isso com você? Você já fez assim ou assado? Quantas vezes você gozou? Oras caramba, não estou preocupada em comparar você aos outros homens com quem me relacionei sexualmente. Cada história foi uma história diferente! Não me preocupo com quantidade e sim com a qualidade. E quando estou com você procuro me entregar e sentir o que estamos fazendo juntos, como estamos naquele momento. Claro que passa por minha mente fazer isso ou aquilo que já fiz e gostei, mas não tenho pressa, não quero seguir um script sexual. Gosto das suas surpresas, da sua experiência e do seu ar de professor satisfeito ao contemplar o sucesso da aluna. Mas não gosto desta comparação nas entrelinhas que você acaba fazendo quase todas às vezes.
Reconheço que na sexta-feira eu não estava bem, e que me expressei mal, mas foi uma reação de defesa que eu tive pra te falar: “Quero ser amada por você e receber seu carinho, preciso disso”. “Quero me deitar com você e me sentir desejada e também protegida por você e pelos seus braços.”
Fiquei frustrada ao lembrar o que você disse no carro e ao perceber que você já estava em outro ritmo, queimando etapas, como se tudo ali fosse completamente natural. Por isso em minha cabeça fiz a infeliz comparação e acabei verbalizando.
Preciso deixar claro pra você que não me sinto a vontade pra me entregar totalmente porque não assimilei esta idéia de ser a amante. Entrar no quarto, tirar a roupa e realizar o ato, afinal é pra isso que estamos ali, não é mesmo? Sem essa de namorar antes, de um tirar a roupa do outro com calma, de agir lentamente.
Sei que você gosta de mim, não se trata disso, vai mais além. Deixar você no comando de tudo é bom em certos momentos, mas em outros não é tão bom assim. Naquela sexta-feira, principalmente, não era pra ser. Eu estava frágil e acreditei que você havia percebido isso e queria me mostrar que estava ali comigo não apenas pra fazer amor, mas para estar ali comigo e que seu comando seria totalmente diferente da forma como agiu!
Também fiquei frustrada quando concordei em ir embora e você disse: “vou terminar meu vinho primeiro!” Ok... De repente você se levanta e começa a se vestir, a única coisa que eu poderia entender daquela atitude é – vista-se! Custava conversar comigo e dizer que já estava na hora? Custava reconhecer que eu te magoei, mas que você também me magoou? Pra quê ficar repetindo que já viveu isso antes, que vive isso em sua casa?
Por favor, não me compare às mulheres de sua vida, afinal todas apresentam comportamentos e atitudes semelhantes, mas não me compare principalmente à sua esposa. Eu jamais deixei de lutar pela minha felicidade, nem que pra isso eu tenha que ceder e abrir mão de algumas coisas. Eu aprendi que posso alcançar a realização de desejos meus sem precisar ser egoísta, ao contrário, posso usar outros meios que trarão satisfação aos dois ou até que não seja pesado para o outro fazer pra mim. Reconheço que sou boa nisso. É uma questão de esperteza, sabedoria. Portanto, sem comparações. Comparar-me a ela me dá um direito que luto para não ter que é o de te dizer várias coisa que percebo sobre vocês dois, sobre o que já viveram antes e sobre o que vivem agora. Coisas que percebo aonde foi que você errou e aonde ela errou. Mas eu não sou sua conselheira conjugal. Nós não temos este vínculo. Nosso vínculo é outro! Ou era, já não sei.
O que eu sei é que relacionamento entre as pessoas não é fácil, entre um casal não é fácil. Relacionamento envolve duas cabeças diferentes, duas pessoas com experiências diferentes que estão juntas naquele momento e precisam aprender a conviver. Estou confusa. Minha cabeça pensa muita coisa, muito rápido. E diferente de você tem horas em que eu não quero deixar de pensar. Ao contrário, preciso pensar pra encontrar alguma resposta ou tomar alguma atitude. Por isso estou aqui escrevendo. Neste momento é o melhor que eu posso fazer. Pois ainda sinto que ao tentar falar com você sobre isso você não me deixaria concluir. Acredito que lendo e relendo estas palavras você possa refletir e responder. A escolha é sua.
Até breve, Patrícia”
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